Mapeando o século asiático
Charles Grant*
O poder está se deslocando do Ocidente para a Ásia. Mas a Ásia é algo mais do que um termo geográfico? Supostamente o único século em que um número significativo de asiáticos compartilhou uma mesma identidade política foi no 13º, quando Gêngis Khan conquistou grande parte do continente. Há cerca de 100 anos, escritores como Kakuzo Okakura, no Japão, e Rabindranath Tagore, na Índia, e políticos como Sun Yat-Sen, na China, desenvolveram idéias pan-asiáticas. Eles achavam que os asiáticos tinham muito em comum, como vítimas do colonialismo, e como povos que, em comparação aos ocidentais, eram menos materialistas e mais espirituais. Mas estas idéias nunca se disseminaram significativamente.
Isto pode estar mudando, segundo Kishore Mahbubani, um ex-diplomata cingapuriano que agora dirige a Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas. Seu livro, "The New Asian Hemisphere: The Irresistible Shift of Global Power to the East" (o novo hemisfério asiático: a mudança irresistível do poder global para o Oriente), argumenta que uma verdadeira identidade continental está despontando com o sucesso econômico da Ásia, e que os asiáticos começarão a dominar o mundo da forma como os europeus fizeram nos últimos 500 anos. Bill Emmott, um ex-editor da revista "The Economist" e autor de "Rivals: How the Power Struggle Between China, India and Japan will Shape our Next Decade" (rivais: como a disputa de poder entre China, Índia e Japão moldará nossa próxima década), concorda a respeito da integração econômica da Ásia, mas não vê a integração se transferir para a política. Seu livro analisa as rivalidades e temores que separam China, Índia e Japão.
Mahbubani argumenta que muitos ocidentais ainda não despertaram para o poder da Ásia. "A relutância das mentes ocidentais em reconhecer a insustentabilidade da dominação global ocidental representa um grande risco para o mundo. As sociedades ocidentais terão de escolher se defenderão os valores ocidentais ou seus interesses no século 21." Ele gosta dos valores ocidentais, mas acha que os americanos e europeus os estão esquecendo enquanto buscam seus interesses egoístas.
Ele é impiedoso em relação às muitas hipocrisias do Ocidente e castiga os ocidentais pela sua forma incompetente de lidar com os desafios globais, como a mudança climática, terrorismo e proliferação. Mas grande parte de sua crítica é estridente - "não há pensamento estratégico no Ocidente" - ou baseada nos ocidentais da era colonial que se sentiam superiores aos asiáticos. Ele nunca menciona os muitos pensadores ocidentais pró-asiáticos - nem o ethos anti-Ocidente que predomina em algumas universidades européias e americanas.
A fraqueza fundamental do livro é que presume que a Ásia é uma entidade coerente. Mahbubani acredita que, como os europeus, os asiáticos baniram a guerra e adotaram uma cultura de paz. Nem sempre é o que parece na península coreana, no estreito de Taiwan ou na fronteira entre Índia e Paquistão, sem falar no Sri Lanka. Apesar de Mahbubani acertadamente criticar o Ocidente pela relutância em reformar as instituições internacionais para que os asiáticos sejam melhor representados, ele nunca critica os asiáticos por fracassarem em formar instituições multilaterais eficazes como as criadas pelos europeus.
O livro de Emmott é um bom antídoto para a fraqueza de Mahbubani. Emmott argumenta convincentemente que a rivalidade entre as potências asiáticas, em vez de entre o Ocidente e a Ásia, é o que guiará a geopolítica do século 21. Pela primeira vez na história, observa Emmott, a Ásia conta com três Estados poderosos e assertivos ao mesmo tempo: "um novo jogo de poder está em andamento, no qual todos devem buscar ser o mais amistoso que for possível com todos, por temor das conseqüências caso não forem, mas onde a amizade é apenas superficial".
Esta análise explica muito do que está acontecendo atualmente na Ásia. Assim a Índia apóia a junta de Mianmar para impedir a hegemonia chinesa no país; a China faz reivindicações territoriais mais assertivas sobre o Estado indiano de Arunachal Pradesh; e o Japão se torna amigo da Índia como um contrapeso para a China. Enquanto isso, China, Índia e Japão estão envolvidos em um grande jogo de caça aos recursos e influência na África e no Sudeste Asiático. Cada um deles tem um orçamento de defesa que cresce rapidamente e está envolvido em programas espaciais ambiciosos. O nacionalismo também é uma força cada vez mais forte na China e no Japão, talvez até na Índia.
Emmott é muito cauteloso em prever o futuro da China. Ele é mais confiante em relação ao Japão. Ele acredita que o Japão está superando muitos de seus problemas, graças a uma "revolução invisível" de reformas discretas inspiradas em grande parte pelo temor da China. Na Índia, Emmott descreve bem as imensas dificuldades que o país enfrenta ao tentar se modernizar, e ele não acha que sua econômica conseguirá alcançar a da China.
A análise geopolítica de Emmott seria mais forte se não tivesse ignorado a Rússia como potência asiática. Alguns indianos vêem sua amizade com a Rússia como sendo uma parte importante de sua estratégia para conter a China. E apesar de Moscou e Pequim atualmente desfrutarem de relações bem calorosas, muitos russos temem a invasão chinesa em seu território asiático esparsamente habitado, ao mesmo tempo em que muitos chineses desdenham os russos e sua economia (relativamente) pequena. Emmott também diz pouco sobre o papel dos Estados Unidos como uma potência asiática. Muitos asiáticos esperam que os americanos permaneçam ativamente envolvidos no Leste Asiático, reconhecendo que uma retirada americana apenas acentuaria as tensões regionais.
Mas em sua seção final de recomendações, Emmott inclui os americanos. Ele lhes diz para superarem sua hostilidade em relação aos clubes regionais dos quais foram excluídos, como a Cúpula do Leste Asiático. Ele faz uma comparação interessante com a Europa: os Estados Unidos nunca ingressaram na União Européia, mas mesmo assim lhe deram muito apoio.
O conselho de Emmott para outras potências é igualmente sensível. A Índia deve fazer as pazes com seus vizinhos e aumentar os laços econômicos com eles. O Japão deve estabelecer uma comissão para considerar uma indenização para o trabalho escravo e prostituição forçada da época da guerra, enquanto o estado deve expulsar os nacionalistas extremos do templo Yasakuni. A China deve se tornar muito mais transparente sobre suas forças armadas.
Dos dois, o livro de Mahbubani é mais provocativo, mas seu ataque ao Ocidente é minado pela hipérbole. O livro de Emmott é escrito de forma mais clara e mostra que as idéias de Okakura, Tagore e Sun Yat-Sen estão longe de serem cumpridas.
*Charles Grant é diretor do Centro para a Reforma Européia
Tradução: George El Khouri Andolfato
O poder está se deslocando do Ocidente para a Ásia. Mas a Ásia é algo mais do que um termo geográfico? Supostamente o único século em que um número significativo de asiáticos compartilhou uma mesma identidade política foi no 13º, quando Gêngis Khan conquistou grande parte do continente. Há cerca de 100 anos, escritores como Kakuzo Okakura, no Japão, e Rabindranath Tagore, na Índia, e políticos como Sun Yat-Sen, na China, desenvolveram idéias pan-asiáticas. Eles achavam que os asiáticos tinham muito em comum, como vítimas do colonialismo, e como povos que, em comparação aos ocidentais, eram menos materialistas e mais espirituais. Mas estas idéias nunca se disseminaram significativamente.
Isto pode estar mudando, segundo Kishore Mahbubani, um ex-diplomata cingapuriano que agora dirige a Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas. Seu livro, "The New Asian Hemisphere: The Irresistible Shift of Global Power to the East" (o novo hemisfério asiático: a mudança irresistível do poder global para o Oriente), argumenta que uma verdadeira identidade continental está despontando com o sucesso econômico da Ásia, e que os asiáticos começarão a dominar o mundo da forma como os europeus fizeram nos últimos 500 anos. Bill Emmott, um ex-editor da revista "The Economist" e autor de "Rivals: How the Power Struggle Between China, India and Japan will Shape our Next Decade" (rivais: como a disputa de poder entre China, Índia e Japão moldará nossa próxima década), concorda a respeito da integração econômica da Ásia, mas não vê a integração se transferir para a política. Seu livro analisa as rivalidades e temores que separam China, Índia e Japão.
Mahbubani argumenta que muitos ocidentais ainda não despertaram para o poder da Ásia. "A relutância das mentes ocidentais em reconhecer a insustentabilidade da dominação global ocidental representa um grande risco para o mundo. As sociedades ocidentais terão de escolher se defenderão os valores ocidentais ou seus interesses no século 21." Ele gosta dos valores ocidentais, mas acha que os americanos e europeus os estão esquecendo enquanto buscam seus interesses egoístas.
Ele é impiedoso em relação às muitas hipocrisias do Ocidente e castiga os ocidentais pela sua forma incompetente de lidar com os desafios globais, como a mudança climática, terrorismo e proliferação. Mas grande parte de sua crítica é estridente - "não há pensamento estratégico no Ocidente" - ou baseada nos ocidentais da era colonial que se sentiam superiores aos asiáticos. Ele nunca menciona os muitos pensadores ocidentais pró-asiáticos - nem o ethos anti-Ocidente que predomina em algumas universidades européias e americanas.
A fraqueza fundamental do livro é que presume que a Ásia é uma entidade coerente. Mahbubani acredita que, como os europeus, os asiáticos baniram a guerra e adotaram uma cultura de paz. Nem sempre é o que parece na península coreana, no estreito de Taiwan ou na fronteira entre Índia e Paquistão, sem falar no Sri Lanka. Apesar de Mahbubani acertadamente criticar o Ocidente pela relutância em reformar as instituições internacionais para que os asiáticos sejam melhor representados, ele nunca critica os asiáticos por fracassarem em formar instituições multilaterais eficazes como as criadas pelos europeus.
O livro de Emmott é um bom antídoto para a fraqueza de Mahbubani. Emmott argumenta convincentemente que a rivalidade entre as potências asiáticas, em vez de entre o Ocidente e a Ásia, é o que guiará a geopolítica do século 21. Pela primeira vez na história, observa Emmott, a Ásia conta com três Estados poderosos e assertivos ao mesmo tempo: "um novo jogo de poder está em andamento, no qual todos devem buscar ser o mais amistoso que for possível com todos, por temor das conseqüências caso não forem, mas onde a amizade é apenas superficial".
Esta análise explica muito do que está acontecendo atualmente na Ásia. Assim a Índia apóia a junta de Mianmar para impedir a hegemonia chinesa no país; a China faz reivindicações territoriais mais assertivas sobre o Estado indiano de Arunachal Pradesh; e o Japão se torna amigo da Índia como um contrapeso para a China. Enquanto isso, China, Índia e Japão estão envolvidos em um grande jogo de caça aos recursos e influência na África e no Sudeste Asiático. Cada um deles tem um orçamento de defesa que cresce rapidamente e está envolvido em programas espaciais ambiciosos. O nacionalismo também é uma força cada vez mais forte na China e no Japão, talvez até na Índia.
Emmott é muito cauteloso em prever o futuro da China. Ele é mais confiante em relação ao Japão. Ele acredita que o Japão está superando muitos de seus problemas, graças a uma "revolução invisível" de reformas discretas inspiradas em grande parte pelo temor da China. Na Índia, Emmott descreve bem as imensas dificuldades que o país enfrenta ao tentar se modernizar, e ele não acha que sua econômica conseguirá alcançar a da China.
A análise geopolítica de Emmott seria mais forte se não tivesse ignorado a Rússia como potência asiática. Alguns indianos vêem sua amizade com a Rússia como sendo uma parte importante de sua estratégia para conter a China. E apesar de Moscou e Pequim atualmente desfrutarem de relações bem calorosas, muitos russos temem a invasão chinesa em seu território asiático esparsamente habitado, ao mesmo tempo em que muitos chineses desdenham os russos e sua economia (relativamente) pequena. Emmott também diz pouco sobre o papel dos Estados Unidos como uma potência asiática. Muitos asiáticos esperam que os americanos permaneçam ativamente envolvidos no Leste Asiático, reconhecendo que uma retirada americana apenas acentuaria as tensões regionais.
Mas em sua seção final de recomendações, Emmott inclui os americanos. Ele lhes diz para superarem sua hostilidade em relação aos clubes regionais dos quais foram excluídos, como a Cúpula do Leste Asiático. Ele faz uma comparação interessante com a Europa: os Estados Unidos nunca ingressaram na União Européia, mas mesmo assim lhe deram muito apoio.
O conselho de Emmott para outras potências é igualmente sensível. A Índia deve fazer as pazes com seus vizinhos e aumentar os laços econômicos com eles. O Japão deve estabelecer uma comissão para considerar uma indenização para o trabalho escravo e prostituição forçada da época da guerra, enquanto o estado deve expulsar os nacionalistas extremos do templo Yasakuni. A China deve se tornar muito mais transparente sobre suas forças armadas.
Dos dois, o livro de Mahbubani é mais provocativo, mas seu ataque ao Ocidente é minado pela hipérbole. O livro de Emmott é escrito de forma mais clara e mostra que as idéias de Okakura, Tagore e Sun Yat-Sen estão longe de serem cumpridas.
*Charles Grant é diretor do Centro para a Reforma Européia
Tradução: George El Khouri Andolfato
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