Saturday 19 July 2008

Ásia


Mapeando o século asiático


Charles Grant*

O poder está se deslocando do Ocidente para a Ásia. Mas a Ásia é algo mais do que um termo geográfico? Supostamente o único século em que um número significativo de asiáticos compartilhou uma mesma identidade política foi no 13º, quando Gêngis Khan conquistou grande parte do continente. Há cerca de 100 anos, escritores como Kakuzo Okakura, no Japão, e Rabindranath Tagore, na Índia, e políticos como Sun Yat-Sen, na China, desenvolveram idéias pan-asiáticas. Eles achavam que os asiáticos tinham muito em comum, como vítimas do colonialismo, e como povos que, em comparação aos ocidentais, eram menos materialistas e mais espirituais. Mas estas idéias nunca se disseminaram significativamente.

Isto pode estar mudando, segundo Kishore Mahbubani, um ex-diplomata cingapuriano que agora dirige a Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas. Seu livro, "The New Asian Hemisphere: The Irresistible Shift of Global Power to the East" (o novo hemisfério asiático: a mudança irresistível do poder global para o Oriente), argumenta que uma verdadeira identidade continental está despontando com o sucesso econômico da Ásia, e que os asiáticos começarão a dominar o mundo da forma como os europeus fizeram nos últimos 500 anos. Bill Emmott, um ex-editor da revista "The Economist" e autor de "Rivals: How the Power Struggle Between China, India and Japan will Shape our Next Decade" (rivais: como a disputa de poder entre China, Índia e Japão moldará nossa próxima década), concorda a respeito da integração econômica da Ásia, mas não vê a integração se transferir para a política. Seu livro analisa as rivalidades e temores que separam China, Índia e Japão.

Mahbubani argumenta que muitos ocidentais ainda não despertaram para o poder da Ásia. "A relutância das mentes ocidentais em reconhecer a insustentabilidade da dominação global ocidental representa um grande risco para o mundo. As sociedades ocidentais terão de escolher se defenderão os valores ocidentais ou seus interesses no século 21." Ele gosta dos valores ocidentais, mas acha que os americanos e europeus os estão esquecendo enquanto buscam seus interesses egoístas.

Ele é impiedoso em relação às muitas hipocrisias do Ocidente e castiga os ocidentais pela sua forma incompetente de lidar com os desafios globais, como a mudança climática, terrorismo e proliferação. Mas grande parte de sua crítica é estridente - "não há pensamento estratégico no Ocidente" - ou baseada nos ocidentais da era colonial que se sentiam superiores aos asiáticos. Ele nunca menciona os muitos pensadores ocidentais pró-asiáticos - nem o ethos anti-Ocidente que predomina em algumas universidades européias e americanas.

A fraqueza fundamental do livro é que presume que a Ásia é uma entidade coerente. Mahbubani acredita que, como os europeus, os asiáticos baniram a guerra e adotaram uma cultura de paz. Nem sempre é o que parece na península coreana, no estreito de Taiwan ou na fronteira entre Índia e Paquistão, sem falar no Sri Lanka. Apesar de Mahbubani acertadamente criticar o Ocidente pela relutância em reformar as instituições internacionais para que os asiáticos sejam melhor representados, ele nunca critica os asiáticos por fracassarem em formar instituições multilaterais eficazes como as criadas pelos europeus.

O livro de Emmott é um bom antídoto para a fraqueza de Mahbubani. Emmott argumenta convincentemente que a rivalidade entre as potências asiáticas, em vez de entre o Ocidente e a Ásia, é o que guiará a geopolítica do século 21. Pela primeira vez na história, observa Emmott, a Ásia conta com três Estados poderosos e assertivos ao mesmo tempo: "um novo jogo de poder está em andamento, no qual todos devem buscar ser o mais amistoso que for possível com todos, por temor das conseqüências caso não forem, mas onde a amizade é apenas superficial".

Esta análise explica muito do que está acontecendo atualmente na Ásia. Assim a Índia apóia a junta de Mianmar para impedir a hegemonia chinesa no país; a China faz reivindicações territoriais mais assertivas sobre o Estado indiano de Arunachal Pradesh; e o Japão se torna amigo da Índia como um contrapeso para a China. Enquanto isso, China, Índia e Japão estão envolvidos em um grande jogo de caça aos recursos e influência na África e no Sudeste Asiático. Cada um deles tem um orçamento de defesa que cresce rapidamente e está envolvido em programas espaciais ambiciosos. O nacionalismo também é uma força cada vez mais forte na China e no Japão, talvez até na Índia.

Emmott é muito cauteloso em prever o futuro da China. Ele é mais confiante em relação ao Japão. Ele acredita que o Japão está superando muitos de seus problemas, graças a uma "revolução invisível" de reformas discretas inspiradas em grande parte pelo temor da China. Na Índia, Emmott descreve bem as imensas dificuldades que o país enfrenta ao tentar se modernizar, e ele não acha que sua econômica conseguirá alcançar a da China.

A análise geopolítica de Emmott seria mais forte se não tivesse ignorado a Rússia como potência asiática. Alguns indianos vêem sua amizade com a Rússia como sendo uma parte importante de sua estratégia para conter a China. E apesar de Moscou e Pequim atualmente desfrutarem de relações bem calorosas, muitos russos temem a invasão chinesa em seu território asiático esparsamente habitado, ao mesmo tempo em que muitos chineses desdenham os russos e sua economia (relativamente) pequena. Emmott também diz pouco sobre o papel dos Estados Unidos como uma potência asiática. Muitos asiáticos esperam que os americanos permaneçam ativamente envolvidos no Leste Asiático, reconhecendo que uma retirada americana apenas acentuaria as tensões regionais.

Mas em sua seção final de recomendações, Emmott inclui os americanos. Ele lhes diz para superarem sua hostilidade em relação aos clubes regionais dos quais foram excluídos, como a Cúpula do Leste Asiático. Ele faz uma comparação interessante com a Europa: os Estados Unidos nunca ingressaram na União Européia, mas mesmo assim lhe deram muito apoio.

O conselho de Emmott para outras potências é igualmente sensível. A Índia deve fazer as pazes com seus vizinhos e aumentar os laços econômicos com eles. O Japão deve estabelecer uma comissão para considerar uma indenização para o trabalho escravo e prostituição forçada da época da guerra, enquanto o estado deve expulsar os nacionalistas extremos do templo Yasakuni. A China deve se tornar muito mais transparente sobre suas forças armadas.

Dos dois, o livro de Mahbubani é mais provocativo, mas seu ataque ao Ocidente é minado pela hipérbole. O livro de Emmott é escrito de forma mais clara e mostra que as idéias de Okakura, Tagore e Sun Yat-Sen estão longe de serem cumpridas.

*Charles Grant é diretor do Centro para a Reforma Européia

Tradução: George El Khouri Andolfato

Thursday 17 July 2008

Artista


Ni Hao! Familia reunida na China - Shanghai, 12/07/2008

Viver de arte
Não é para qualquer um
Requer do virtuose virtude de sobra
Para não deixar a cadência esvair

Quisera o artista somente dela viver
Para ela sempre entregue e dedicado
Sem qualquer outra preocupação
Senão a de entrar no palco
Fazer o público sorrir e chorar
E deste júbilo sorver

Todavia há o mundo que o rodeia
Deserto seco e inóspito
Que o artista joga suas sementes todos os dias
Regando o terreno incessantemente
Na esperança de um pequeno ramo um dia vingar

Não há outra forma senão esperar
Enfiar a viola dentro do saco
E com muita paciência e diligência
Continuar a tocar a boiada e caminhar

Que seja sem desmedida pretensão
A de salvar nenhum rebento pelo caminho
Mas a si próprio preservar
Em primeiro lugar
Pois assim a fonte sublime da arte se preserva
E dela
Sem esgotar
Mais júbilo brotará


Guilherme Ferreira

Sunday 6 July 2008

Piano



À minha professora de piano

Inspirar e expirar cada frase

Não há outra forma de sorver a música

E o piano tocar


Muita paciência

Sem exagerar no fortíssimo

Sem ambicionar mais que o virtuose

Tentar acelerar e nas teclas tropeçar


Só tocar o Tico-Tico, sem parar

Exagerar e apanhar do cavaquinho

Uma obsessão pelo tango inexplicável

La Cumparsita, Mi Buenos Aires querido

Mais fortemente a paixão por Adiós Nonino

E ao errar, melhor parar e perguntar


O improviso é de se admirar

Todavia não há música sem o suor

Sem técnica e alma

E o constante praticar


Obrigado professora pelo piano

Por tudo o que ele hoje me oferece

Hoje não sou pianista

Ao menos profissionalmente

Não é tocando que faço o meu ano

Todavia o piano e a música

Fazem de mim um homem diferente


Pois além de tocar um pouquinho

Aprendi a escutar

A você

A mim mesmo

Ao silêncio do outro

A voz do meu próprio coração

Às melodias soltas pelo ar

Mas, principalmente, escutar a minha própria vocação


Fazer da vida uma arte

Sem necessariamente viver dela

Senti-la escrita em mim como em um antigo pergaminho

E escrevê-la a cada momento

Levantando-a

Onde quer que eu vá

Como um porta-estandarte


Guilherme Ferreira

Saturday 5 July 2008

Pára-quedas



Não é mentira, causo de pescador
Ou estorinha da fagatafagarata
Filho de seu Orlando, ele mesmo
Neto do Alcides, irmão de Alcibíades, amigo do Benedito
Também conhecido como Zaguireme
Não pulou de pára-quedas
Chegou perto disto - o que já vale para um homem medroso
Voou um pouco empurrado pelo vento e por um barco
Acompanhado por Céu e mar
E mais uma vez para não deixar se enganar
A foto é para o seu Simão acreditar
Gagaga!

Diz a lenda que homem barbudo, inteligente e culto
Que vem de General Salgado, mas pela Grande São Paulo acostumado
Uma vez foi enganado por um matuto de olhos azuis, diretamente de Nanuque
Dizia o matuto, nacionalmente conhecido por sua coragem e a careca de saber
Que havia pulado de pára-quedas
Dois mil metros de altura
Céu de brigadeiro
Vento a reboque
Causo minunciosamente contado
Para surpresa do barbudo
Que estupefato se questionou:
Como um homem que tem medo de dirigir pode dar conta de um salto tão alto?

Muito tempo depois
O barbudo, já sem barba
Lembrou-se do compadre
Que o vento temporariamente levou para passear
Em nostalgia, o barbudo dividiu as memórias com a esposa do matuto
Que acamada atenciosamente escutava
O causo até então tomado por verídico
Naquele momento veio a se desmascarar
O matuto nem no sonho de pára-quedas pulou!
Pregou uma grande peça no barbudo
Que até aquele dia sem dúvida acreditou

Agora o filho do matuto
Tem nova estória para contar
Andou de pára-quedas, mas não pulou
Mas no céu, chegou bem próximo do matuto
Que em seu ouvido soprou:
Filho, medo só de pára-quedas ou montanha russa
A vida é para ser encarada com a coragem da criança
Que em seu primeiro passo não tem medo de cair no chão
De vez enquanto há de se correr em zig-zag
Para fugir de tiros mirados em nosso coração
Mas não perca a reta
Carreira traçada certa
Que a vida neste momento
Em saltos novos em terras novas
Não por acaso te reserva

Tuesday 1 July 2008

Mar


Eu e o mar
Sol a pino
Na cabeça um fedora
Para as idéias refrescar

A paisagem da vida se encontra no horizonte
Com mar aberto à frente e mais nada
A postos se encontra uma caixa de pandora à deriva para se abrir
Mistérios transbordando para se decifrar

Este para mim é o mar
Enigma para se desvendar
Metáfora da vida
Infinito para o olhar
Profundo para o meu fôlego
Imprevisível
Que não adianta tentar advinhar

Todavia multicolorido
Não somente para contemplação
Mas também aberto, como tela nova
Para novas cores se pintar

O meu mar ainda está bem aberto
Que continue assim quiçá
Pois aberto haverá sempre o horizonte à vista
Rotas infinitas para se traçar

Deixo então a brisa da maré bater
Em todas direções
Assim bem longe
A minha pequena embarcação
Irá navegar

Guilherme Ferreira