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Teatro
Veja discurso de Augusto Boal sobre o dia mundial do teatro
da Folha Online - 25/03/2009 - 23h15
Leia abaixo a íntegra do discurso de Augusto Boal sobre o dia mundial do teatro, 27 de março. O pesquisador, diretor e dramaturgo foi nomeado como embaixador mundial do teatro pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
Leia a íntegra do discurso:
"Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.
Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de ideias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!
Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática --tudo é teatro.
Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a plateia e a plateia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.
Em setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa --nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.
Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - 'Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida'.
Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.
Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento --é forma de vida!
Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!"
Saturday, 2 May 2009
Cegueira
Estes olhos que a terra há de comer
São os mesmos que me permitem enxergar
O que quero e não posso ver
O que não vejo e me faz alienar
Assim podemos viver a nossa cegueira diária
Viver sem crer
Crer sem viver
Ver sem crer
Crer sem ver
Um caminhar sem visão
Faz-nos tropeçar
Tombos feridos
Dor que certamente não remedia em vão
Então de tanto tombar
Hei de acordar
Os meus olhos se abrirão
Um novo mundo ante a mim renascerá
Mais uma oportunidade de aprender
O sensível, belo e extasiante
Exercício do olhar
Guilherme Ferreira