Saturday, 31 October 2009

Ode à Elegia


Muro da lamentação - Jerusalém

Começa pequeno com um queixume
Assim como um pingo d'água dá inicio a enxurrada
Uma sílaba revela a palavra dura
Daí a sentença nua e crua se entremeia
Invadindo-nos como um enxame

O canto perde o encanto
A ode dá lugar a elegia
E como num passe de magia
A alegria dá lugar ao pranto

Julho passa e dá lugar a Agosto
O tempo passa rápido em busca do futuro em fuga
O sol se põe a contra-gosto
E o olhar enxerga em claro-escuro

Os joelhos então desconjuntados
Dobram e inclinam-se em lamentação
As mãos se apoiam no muro
A cabeça em direção ao chão

A lamúria emperra na garganta
Um suspiro ensaia o seu concerto
Ladainha desafinada
Que não adianta
Deplora conserto

O coração portanto emuralhado
Clama por uma saída
Busca arrimo das lágrimas
Que causaram sua erosão

O sujeito apurado em perjúrio
Dá-se conta de sua auto-traição
Aponta o dedo-duro a si mesmo
Implorando novo venturo
Derrubando a alvenaria da reclamação

Paredes do lamento caem a terra
Em pedaços de pedra
Sob a qual o homem se aduba
Planta e aterra

Surge uma petição
Em um pequeno papel
Desejo que erige nova muralha
Da confiança construída à granel

Deste muro
Que fora montureira
Renasce o homem
Flor-de-monturo
Sobrenome Ferreira

Guilherme Ferreira

Friday, 23 October 2009

Alternativa


The walk to Paradise Garden, USA, 1946 - W. Eugene Smith

Em uma vida de abundância
Opção não é escassa
Vive-se na alternância
Entre uma ou outra bifurcação

Pisando em brasa-viva
Os pés salpicam de brasa em brasa
E novamente em encruzilhada
Transeunte nos pergunta como intimativa:
- Será que esquivamos da verdadeira vida?
- Ou será a vida que de nós mesmos se esquiva?

O Alter-Ego até então indiferente
Alterado, salta a frente de qualquer interferência
E responde em ofensiva:
- Nego e obscuro Ego, te nego em branco-e-nego,
poupe mais a sua saliva de falante patativa

Nego Ego, invigilante abridor de portas largas, foge
E, em campanha evasiva, investe sua última afirmativa:
- São tantas as possibilidades, especialmente as coloridas,
e de preferência aquelas viagens contemplativas e imaginativas

Pobre Nego Ego
Vivendo a vida cor-de-rosa
Dependente e cromo-adicto
Desta vida multi-colorida
Queimou o chão como água-viva
E ignorante de sua ilusão
No chão espatifou-se como uma ogiva

O pavimento incolor pintou-se como tela impressionista
Alter-Ego, tomando as rédeas da situação,
Não gritou em comemoração
Mas com voz de comando:
- Viva!

Com nova perspectiva
Ressuscitou-se uma nova estória
Uma narrativa na primeira pessoa
Não aquele Eu encarcerado pela terceira pessoa do Nego
Mas um alforriado, alterado, "altegorizado" Eu

Assim é viver
Não tomando a iniciativa
Escravizamos-nos pelo Nego
E encarcerados
A roda-vida passa
Atropelando e nos colocando a deriva

Todavia basta uma reles tentativa
A cooperativa
A inventiva
A compreensiva
Exclusiva
Derradeira
Alternativa

Guilherme Ferreira

Saturday, 17 October 2009

Tempo


Boy with a clock, Comacchio, 1956 - Piergiorgio Branzi

Fardo indelével
Faz-se pesado, nos ombros de quem se descarrega
Enleva-se
Faz-se leve e sustentável
Quando nós o carregamos

Compasso intermitente
Binário, ternário ou quaternário
Da capo al fine
A vida não tem pausa
Absolutamente

O momento presente se derrete
Em passado se solidifica
E o futuro que não se repete
Faz-se aqui diferentemente

Tempo que acelera
Pelas beiradas e friamente
Come-nos com abundantes colheradas
E pedindo ritornello
Tudo recomeça
Novamente

Distintamente
Para desfrutar o tempo
Penso eu
Há de se reger a vida
Relativamente

Um segundo por vez
Allegro para caminhar
Adagio ou Largo para refletir
Presto para realizar

E assim com a batuta em mãos
Dá-se início a um viver autônomo
Saber quando dizer sim ou não
Na batida do nosso próprio metrônomo

Guilherme Ferreira

Saturday, 10 October 2009

Disciplina

Michal Macku - 1963 - Bruntál

Amarra que desarma
Nó que desalinha
Amarga linha cortando lima

Quem alinha para frente rebobina
Carretel que nem bobina
Enrolado e com gingado
Mais aqui do que na China

Quem sabe o que faz
Faz o que sente
Fazendo o que não se sente
Não se sente o que faz
Sente-se tudo desnecessário
Nada faz-se necessariamente

Dilema planetário
As fileiras da atrofia engrossam
A miopia desafia
A voz que clama desafina
A ordem desalinha
A mente afina

Disciplina diferente
Não se faz em fila
Nem revolvido em linha de aço
Faz-se vencendo o segundo
Da preguiça e do cansaço

Disciplina sem camisa de força
Mas com livre escolha
É também escola
Para a verdadeira liberdade

Guilherme Ferreira

Saturday, 3 October 2009

Resiliência

Ter
Poder
Não ser
Bater-se
Ouvir-se
Olhar-se
Puxar-se
Mexer-se
Fincar-se
Esticar-se
Moldar-se
Formar-se
Remexer-se
Entender-se
Reformar-se
Reconhecer-se
Guilherme Ferreira
Transformar-se
Endurecer-se
Deformar-se
Amolecer-se
Repensar-se
Assumir-se
Adaptar-se
Aceitar-se
Iniciar-se
Mudar-se
Sentir-se
Fazer-se
Crer-se
Dar-se
Saber
Amar
Ser