Monday, 29 December 2008

Agora

Agora que já passou neste segundo
Segundo que não fara viagem de volta
Pois comprou uma passagem de ida
Para o Ontem que longe se encontra

Agora que passa muito rápido
Da o seu lugar para outro momento
Que também se chama Agora
Homônimo sem registro em cartório
Mas registrado nas batidas do relógio de cada oratório

O Agora busca sempre o Amanha
Que escapa-lhe entre os dedos
O Amanha sempre observa o Agora
Buscando os seus proventos

O Ontem, de vez em quando
Tenta voltar de sua viagem sem volta
Regressa quando a Culpa o chama
Comprando-lhe um ticket de primeira classe

Todavia, a Culpa retorna somente quando e convidada pelo Remorso
Mas e despachada quando o Arrependimento bate as portas da Consciência

O problema e a Inconsciência
Que insiste em ficar
Pois acompanhada de Ontem
Insiste em nos anestesiar

O Amanha pode ajudar
Uma vez que os sonhos produz
Entretanto pode atrapalhar
Quando a Ilusão nos seduz

Então prefiro ficar com o Agora
Pois junto com ele esta a Consciência
Que nos convida diariamente
Para desfrutar
Intensamente
E com prudencia
Os diferentes presentes da vida

Guilherme Ferreira

Wednesday, 24 December 2008

Natal


Natal em familia - Brisbane/Australia

Para mim não existe celebração mais especial

Pela qual espero o ano inteiro

Para reunir-me com a família sob um sentimento único


Reencontrar-me com uma humanidade que perdemos facilmente


Diariamente quando buscamos o “normal”




Assim é o Natal


Ainda por muitos enganado


Longe de sua real natureza


Digo o Natal verdadeiro


É dado por anormal




Todavia,


O símbolo que deveria ser celebrado


Esquecido


É ocultado por perus, embrulhos adornados, conversas vazias


Que duram nem um dia


Vão para o lixo


As palavras saem dos ouvidos da mesma forma que entraram


E os restos descem pelo ralo da pia




Entretanto


Posso dizer-me um privilegiado


Pois o meu Natal é anormal


Para dizer mais, é paranormal


Pois entro em contato com uma alegria


Satisfação, júbilo e elevação


Que me acompanharão por mais de um dia


Alimentarão o meu espírito


Pelo menos pelos próximos 365 que estão por vir


Ate o próximo Natal

Tempo para nova renovação


Guilherme Ferreira

Legadema



Legadema: em Sewswana: luz que vem do céu



A natureza e os seus mistérios
Que não precisam de oráculo, ou de acelerador de partículas, para serem desvendados
Somente os olhos para ver e o coração para sentir
Que o amor, em sua simplicidade, não é um conceito meramente humano
Todavia um sentimento universal que não precisa de cérebro, pensamento ou palavra articulada
Nem a urgência da necessidade
Somente a instintiva premência da convivência
Que mesmo com as diferenças não é lunática utopia
Mas realidade que nos chama no calor do agora
Quando nos despimos do Eu que nos entorpece
Para nos unirmos a um outro Eu em humilde sinergia

Guilherme Ferreira

Monday, 15 December 2008

Woon


Warittinha

Just a few words I know in Thai
To say hi, I would say Sawadee khrub
For some orientation: Throm pai, leu qua and leu sai
Chai khrub, if I want to say yes, of course!

Mai dai, if there's no way around.
Cha cha my friend, please slow down
Leu leu, I am late - please fly!
Sabai dee mak hrub?
That's the question you need to ask to yourself after taking a ride

Hahaha khrub, because khrub goes with everything
I want pad thai na khrub - ma pet, please!
Where's the restroom na khrub?
Tini leu sai na khrub
The book is on the table na khrub
A sentence without na krub, it's like rice without beans
For Tina it is: do you know what I mean?
Definitely na khrub is the thing...na khrub!

Then comes the well known "jeitinho tailandês"
Mai pen rai! Sabai sabai!
This is to say: never mind, tá tudo certo!
Dee mak mak, very good...
Just wait... ai ai ai

Con phu thai dai nick noi, na khrub
This is all the thai that I know
Just a little that´s not enough
To say what this picture can say
Differently, I would need much more than a thousand words
In Portuguese, Spanish, English or Thai
Or in a nutshell:
Kop khun khrub
Kun nee yort leui, soo-ay mak mak!


Guilherme Ferreira

Thursday, 27 November 2008

Tuesday, 11 November 2008

Encontro



Fascinei-me com este encontro do bolero com a musicalidade cubana de Bebo Valdes, a poesia de Vinicius e o cante flamenco de Diego El Cigala. Lagrimas Negras e o ultimo disco produzido por Bebo e Cigala onde fundem o melhor de suas heranças musicais. Esta obra de arte, que toca diretamente a alma a primeira escuta, me inspira a fazer uma breve reflexão sobre o poder do encontro.


Encontro inesperado

Que acelera a pulsação

Encontro marcado

Que paralisa a respiração


Encontro de idéias afins

Que saltitam à flor da pele

Encontro de idéias dissonantes

Que se repelem


Encontro arranjado

Que não há como recusar

Encontro premeditado

Que não há como esperar


Encontro com o outro

Que exige tolerância

Encontro consigo mesmo

Que pede paciência


Encontro com a morte

Que nos faz renascer

Encontro com a vida

Que nos move a crescer


Encontro com o passado

Que seqüestra o agora

Encontro com o futuro

Que o presente devolve


Encontro com a alegria

Que arranca risadas

Encontro com a tristeza

Que arranca lágrimas refrigeradas


Encontro com o amor

Que nos tira do chão

Encontro com o desamor

Que nos pede uma ação


Encontros

Tão escassos

Mas tão necessários

Pois um mundo sem encontros

É um mundo desencontrado

Desajustado

Desumano



Guilherme Ferreira

Sunday, 26 October 2008

Riqueza


Eduardo Giannetti da Fonseca - para a Folha de S. Paulo

Brilhante analogia que faz o Eduardo Giannetti sobre a atual crise financeira que vivemos. Traz também uma outra reflexão sobre uma outra crise: a que Riqueza devemos centralizar as nossas vidas? A financeira ou a humana? Confira o vídeo, é de uma simplicidade profunda.

Guilherme Ferreira

Saturday, 25 October 2008

Anônimo

Alguém sem nome
Estranho, eterno e sem idade
Perdeu a própria identidade
Desconhecido e procurado por ninguém
Foi exilado em seu próprio esconderijo

Invisível aos olhos que a ilusão comeu
Espreita-se em fajuta camuflagem
Foge de si mesmo
Faz-se refém em sua própria casa
Prisão domiciliar de portas abertas e escancaradas
Com sentinelas fracos e desarmados

Procura-se este homem
Reprimido pela própria inconsciência
Réu inocente que foi encarcerado em seu próprio tribunal
Subjulgado e deixado de lado às traças injustas que não podem dissolvê-lo

Não age segundo nenhuma hipócrita conveniência
Bento, purificado e desnudo da corrupção
Veste-se de decência
Que na maioria das vezes é saber dizer não

Este anônimo que não é lobo
É persona non grata em própria jurisdição
É o homem que contradiz Hobbes
Aquele outro Eu que quer fazer bem

Mas, desconhecido de nós mesmos
Torna-se anônimo, por nossa petição
Escondido, espera o momento libertador
Habeas corpus
Do próprio corpo, justa reconstuição

Este homem pede para tomar posse
Animus retinendi possessionem
Posse clandestina até então
Agora: legítima por direito e concessão

Um outro Eu renasce
Absolvido pelo juri da própria consciência
É recebido de braços abertos
Seja bem-vindo
Verdadeiro
Eu mesmo

Guilherme Ferreira

Sunday, 19 October 2008

Recomeço

Agora
Este momento
Aqui
Neste lugar
Recomeça-se

Um momento termina
O destino final chega
Um novo ponto-de-partida floresce
Um novo segundo renasce

Em um piscar de olhos
A luz ilumina rapidamente
Pisca-se mais uma vez
Por um segundo têm-se a ilusão da escuridão
Que se ilumina novamente com os olhos novamente abertos

E assim o ciclo se repete
Entre luz e escuridão
Olhos abertos e fechados
Entre o silêncio e o som
O tudo e o nada

A vida constantemente recomeça
Nos deixando a ilusão que já passou
Mas não
Só começou

Estou descobrindo que este negócio que se chama felicidade
Está na gratidão de poder recomeçar
Aceitar a estaca zero
Que todo o amanhecer tem a nos oferecer

Guilherme Ferreira

Sunday, 5 October 2008

Rehearsal


La Cumparsita Rehearsal - 07/2008

Life is an endless rehearsal
A lengthy drill
Which stage is universal
A play, opened to be written, if you will

Repeatedly unexpected
Hurdles may arise at the spotlight
However, the performer,
Once is freed from his own shadow,
Rakes over the weed
Defying the darkness at the frontstage

Differently at the backstage
You may find a fearful fool
Avoiding to put his stardom at stake
Hesitant to run through the scene
Does not dare to make a mistake

In order to stand up to any stage
And to get to the extra mile
The singer sometimes is off key
The actor ruins the script
The dancer loses the step
They all must take the risk

Hence, I repeat aloud to myself
I go over every day again and again
As it were a dress rehearsal
I put on my apprentice on scene
Hoping one day to perform a masterpiece


Guilherme Ferreira

Sunday, 21 September 2008

Bibliothèque



École des hautes études en sciences sociales - 16/09/2008

Não é a toa
Sabor vem de sapore
Saber de sapere
Ambas palavras de mesma origem no latim
Explicam-me algo que até então era irracional para mim

Não há saber que não é construído com sabor
Assim como não se saboreia a vida sem um pouco de saber

A biblioteca desta forma é um grande centro gastronômico
Lá se encontram todos os ingredientes necessários para uma vida melhor
Todavia os ingredientes precisam de quem os prepare
Corte-os, cozinhe-os, conserve-os
Precisam também de uma panela, fogo e a medida certa
Receita individual que cada chef constrói para si

Na condição de aprendiz de cozinheiro
Visitei a cozinha de grandes chefs
Saboreei ingredientes que não conhecia
Cheiros, texturas, cores, sabores...
Amargo, doce e salgado

O desafio, entretanto, é o que fazer com tantas especiarias
Que não fiquem só conservados na cabeça
Que sejam temperados no coração
E misturados pelas mãos
No caldeirão diário da vida

Guilherme Ferreira

Saturday, 20 September 2008

Incógnita


Paris, 12 de setembro de 2008. Incógnita cortando o céu.

À beira do rio
Caminho despretensiosamente
Segundo de Rachmaninov a escutar
Segundo movimento, para variar

Mil pensamentos cruzam a cabeça
Idéias novas e indistintas entrecruzam
Vôos frenéticos, de lá para cá
Provocam brisa fresca

Então sou parado por um pensamento em vermelho
Olho então para o rio que corre em verde
Ao fundo, leve amarelo da famosa igreja me chama a atenção
Em azul o céu me dá um xis de presente

Incógnita cruz cravada no céu límpido
Como que a me alertar
Para que tantos pensamentos?
Para que, a mente, crucificar?

Quando se pensa muito se complica a equação
O xis deixa de ser a única incógnita
Não há aritmética de última geração
Que encontre fácil solução

Então olhei para a outra margem de mim mesmo
Onde o pensamento não tem mandamento
Deixei então a emoção aflorar
E Voilà!
Encontrei a solução

O sentimento não tem a mesma lógica do pensamento
O pensamento às vezes complica e nos crucifica
O sentimento, diferentemente,
É fluido, espontâneo e misterioso
Em sua irracionalidade
Soluciona
Tranqüiliza-nos
Pacifica
E unicamente, como estaca ou cruz
Para sempre, sagradamente
Em nosso espírito se finca

Guilherme Ferreira

Friday, 19 September 2008

Ponte Alexandre III



Pont Alexandre III - Paris, 15 de setembro de 2008 (clique para ampliar)

Deleite para os cinco sentidos
Refresco para a memória
Travessia inevitável
Desta ponte que me liga a mim mesmo

Em uma margem
À la droite
Se encontra o meu eu velho
Que insiste na noite

Na outra margem
À la gauche
O eu que nasce
Que busca uma nova roupagem

Passagem longa
Que não acontece do dia para a noite
Mas não importa a duração
Já dizia alguém:
Afinal a jornada é o que é importante aproveitar
O destino final de uma forma ou de outra há de chegar

Então as margens se aproximarão
O Eu I se unirá ao Eu II
E um dia formará o III
Quando não haverá mais ponte
Mas um ser só, em união

Guilherme Ferreira

Saturday, 23 August 2008

Luz



"There´s only One Sun" - Wong Kar Wai



"Há somente um sol, mas que viaja o mundo todo dia. Ele é todo meu e eu nunca irei me desfazer dele!" Marina Tsvetaeva


Um sol para todos
Solamente, vezes acompanhado por outras estrelas
Viaja o mundo diariamente

Um dia por vez
De este a oeste
Acima de nossas cabeças
A luz se faz presente

Apaga-se à noite, temporariamente

Outra luz, todavia
Encontra-se apagada de nossa memória
Não definitivamente
Pois se acende dentro de nós
Inesperadamente
Toda vez que a ilusão se põe a oeste
E permitimos que a vida nasça a leste

A cegueira nos faz noturnos

De espreita, à nossa espera
A manhã se faz latente
Mas a teimosia nos entardece

Pergunto-me então:
Quando amanhecerei?

Para esta inquirição
Com minha cegueira
Ainda não encontrei solução

Mas faço uso de um jargão
Há sempre luz no fim do túnel
Para aquele que acorda todo dia
Voluntariamente fazendo o seu próprio amanhecer

Fazer do entardecer um mero detalhe
Da noite, a temporária ausência de luz
Pois para aquele que a possui dentro de si
A escuridão é uma exterioridade passageira

Pede carona na estrada e nos seduz
Mas fica para trás se o motorista acende o farol
Sem dormir no volante
Atento e diligente, seguindo em frente

Guilherme Ferreira

Sunday, 10 August 2008

Cor



Uma página em branco
Sentar-se em um banco
Como o pensador de Rodin
Deixar a estória da vida projetar
Passar pela mente como em um ecrã

Curiosíssimo
Pois vejo as memórias em preto-e-branco
Não multi-coloridas no momento que as vivi
A mente engana, monocromática que é
Apaga as cores, as deixam para milissegundos de déjà-vu

O passado então misteriosamente torna-se bicolor, logo após ser presente
O presente sempre é colorido até o ponto onde torna-se passado
A vida, portanto, é policromática quando vivida no agora
O presente seqüestrado pelo passado, quando desperdiçado

Este segundo é uma paleta de cores que não voltam mais
Cabe ao pincel das nossas ações libertarem estas cores
Que são demasiadamente encarceradas pelos medos
E a espontaneidade é a única capaz de nos render da prudência
Nossa algoz e carcereira que nos pinta em tons cinzentos
Cilício de pinceladas em seqüencia

Vale então deixar a mente que nos engana de lado
E pintar com o coração
Libertador
Que dá cor
Cora o viver
Com as cores que só o sentimento pode oferecer

Sentir que só é possível neste segundo
Este momento
Agora
Na ponta da língua
Quando todos os poros estão abertos
Os olhos arregalados
O nariz à espreita
E os ouvidos escancarados

Guilherme Ferreira

Tuesday, 5 August 2008

Bolero




Esta é uma daquelas músicas que posso escutar consecutivamente mais de uma vez sem cansar. Cada vez que a escuto, sinto algo diferente. E dado ao poder de todo bolero, me transporto para um outro lugar - sempre novo.

Não é a toa que muitos compositores possuem a própria versão: Ravel, Chopin e também Vicente Amigo que podemos assistir neste vídeo. Daí me pergunto o porquê, podendo chegar a conclusão que o bolero possui exatamente esta magia de sequestrar a mente por alguns instantes e nos levar para territórios desconhecidos. Sendo esta magia uma das virtudes da música, daí se dá a escolha destes compositores por este ritmo lento e hipnotizador. Este bolero (de Vicente), em particular, foi dedicado a um dos filhos de Vicente Amigo, por seu nascimento. E como por coincidência, ou talvez intencionalmente, ele me transporta para muitos lugarejos diferentes que fazem parte de uma mesma vizinhança que posso classificar como Paternidade.

Paternidade, 10 de Agosto de 2008

Lugarejo onde mora a ternura
Um outro (lugarejo) da atenção a distância, mas não distante
E assim por diante...
Autoridade que educa, mas não machuca
Colo que protege e aquece, chama que não queima
Palavra assertiva que acerta direto o coração
Olhar que cala sem falar nem gritar
Conselho atestado pela experiência

Ainda estou um pouquinho longe desta vizinhança
Um dia, não muito longe, com certeza
Irei a paternidade habitar
E talvez brote a inspiração para um bolero
Como este, de Vicente
Para a alegria de ser pai registrar
Sentimento que faz do homem mais homem
Mais decente
Pois amplia a capacidade de amar
E de admitir ser amado

Guilherme Ferreira

Sunday, 3 August 2008

Simplicidade

Gosto muito de música. A língua francesa é como música para os meus ouvidos. Não por acaso, utlimamente, tenho procurado e assistido a tantos filmes franceses. O último, "Ensemble, c'est tout" de Claude Berri me inspirou a pensar sobre a Simplicidade. A estória não tem nada demais, nem super-produção - e aí reside a sua beleza e sua capacidade de tocar a alma da audiência. Retrata a vida de quatro indivíduos isolados que passam a criar conexões entre si, sem passes de mágica e pirotecnia hollywoodiana, e aprendem nas situações mais simples a arte humana da convivência.

Uma reflexão importante a se fazer, ao se constatar que na verdade vivemos em bando - diariamente esbarrando ombros sem perceber que temos em comum a capacidade de conviver e de amar. Todavia, a Simplicidade é um tema muito pretensioso que eu em meu engatinhar não ousarei intentar a escrita.

Por isso, a deixo para um pensador que gosto muito: Rubem Alves. Ele fala sobre Simplicidade e Sabedoria, como sempre, de uma maneira muito simples e palatável. Vejam abaixo, e desde já me classifico no grupo daqueles pássaros, que segundo o autor, voam pela manhã da juventude...Ai ai ai!


Sobre Simplicidade e Sabedoria

Rubem Alves

Pediram-me que escrevesse sobre simplicidade e sabedoria. Aceitei alegremente o convite sabendo que, para que tal pedido me tivesse sido feito, era necessário que eu fosse velho.

Os jovens e os adultos pouco sabem sobre o sentido da simplicidade. Os jovens são aves que voam pela manhã: seus vôos são flechas em todas as direções. Seus olhos estão fascinados por 10.000 coisas. Querem todas, mas nenhuma lhes dá descanso. Estão sempre prontos a de novo voar. Seu mundo é o mundo da multiplicidade. Eles a amam porque, nas suas cabeças, a multiplicidade é um espaço de liberdade. Com os adultos acontece o contrário. Para eles a multiplicidade é um feitiço que os aprisionou, uma arapuca na qual caíram. Eles a odeiam, mas não sabem como se libertar. Se, para os jovens, a multiplicidade tem o nome de liberdade, para os adultos a multiplicidade tem o nome de dever. Os adultos são pássaros presos nas gaiolas do dever. A cada manhã 10.000 coisas os aguardam com as suas ordens (para isso existem as agendas, lugar onde as 10.000 coisas escrevem as suas ordens!). Se não forem obedecidas haverá punições.

No crepúsculo, quando a noite se aproxima, o vôo dos pássaros fica diferente. Em nada se parece com o seu vôo pela manhã. Já observaram o vôo das pombas ao fim do dia? Elas voam numa única direção. Voltam para casa, ninho. As aves, ao crepúsculo, são simples. Simplicidade é isso: quando o coração busca uma coisa só.

Jesus contava parábolas sobre a simplicidade. Falou sobre um homem que possuía muitas jóias, sem que nenhuma delas o fizesse feliz. Um dia, entretanto, descobriu uma jóia, única, maravilhosa, pela qual se apaixonou. Fez então a troca que lhe trouxe alegria: vendeu as muitas e comprou a única.

Na multiplicidade nos perdemos: ignoramos o nosso desejo. Movemo-nos fascinados pela sedução das 10.000 coisas. Acontece que, como diz o segundo poema do Tao-Te-Ching, “as 10.000 coisas aparecem e desaparecem sem cessar.“ O caminho da multiplicidade é um caminho sem descanso. Cada ponto de chegada é um ponto de partida. Cada reencontro é uma despedida. É um caminho onde não existe casa ou ninho. A última das tentações com que o Diabo tentou o Filho de Deus foi a tentação da multiplicidade: “Levou-o ainda o Diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua glória e lhe disse: ‘Tudo isso te darei se prostrado me adorares.’“ Mas o que a multiplicidade faz é estilhaçar o coração. O coração que persegue o “muitos“ é um coração fragmentado, sem descanso. Palavras de Jesus: “De que vale ganhar o mundo inteiro e arruinar a vida?“ (Mateus 16.26).

O caminho da ciência e dos saberes é o caminho da multiplicidade. Adverte o escritor sagrado: “Não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne“ (Eclesiastes 12.12). Não há fim para as coisas que podem ser conhecidas e sabidas. O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma. Não há saber diante do qual o coração possa dizer: “Cheguei, finalmente, ao lar“. Saberes não são lar. São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa. Mas os tijolos, eles mesmos, nada sabem sobre a casa. Os tijolos pertencem à multiplicidade. A casa pertence à simplicidade: uma única coisa.

Diz o Tao-Te-Ching: “Na busca do conhecimento a cada dia se soma uma coisa. Na busca da sabedoria a cada dia se diminui uma coisa.“

Diz T. S. Eliot: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?“

Diz Manoel de Barros: “Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar. Sábio é o que adivinha.“

Sabedoria é a arte de degustar. Sobre a sabedoria Nietzsche diz o seguinte: “A palavra grega que designa o sábio se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphus, o homem do gosto mais apurado. “A sabedoria é, assim, a arte de degustar, distinguir, discernir. O homem do saberes, diante da multiplicidade, “precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço.“ Mas o sábio está à procura das “coisas dignas de serem conhecidas“. Imagine um bufê: sobre a mesa enorme da multiplicidade, uma infinidade de pratos. O homem dos saberes, fascinado pelos pratos, se atira sobre eles: quer comer tudo. O sábio, ao contrário, para e pergunta ao seu corpo: “De toda essa multiplicidade, qual é o prato que vai lhe dar prazer e alegria?“ E assim, depois de meditar, escolhe um...

A sabedoria é a arte de reconhecer e degustar a alegria. Nascemos para a alegria. Não só nós. Diz Bachelard que o universo inteiro tem um destino de felicidade.

O Vinícius escreveu um lindo poema com o título de “Resta...“ Já velho, tendo andado pelo mundo da multiplicidade, ele olha para trás e vê o que restou: o que valeu a pena. “Resta esse coração queimando como um círio numa catedral em ruínas...“ “Resta essa capacidade de ternura...“ “Resta esse antigo respeito pela noite...“ “Resta essa vontade de chorar diante da beleza...“. Vinícius vai, assim, contando as vivências que lhe deram alegria. Foram elas que restaram.

As coisas que restam sobrevivem num lugar da alma que se chama saudade. A saudade é o bolso onde a alma guarda aquilo que ela provou e aprovou. Aprovadas foram as experiências que deram alegria. O que valeu a pena está destinado à eternidade. A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo. É para isso que necessitamos dos deuses, para que o rio do tempo seja circular: “Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás...“ Oramos para que aquilo que se perdeu no passado nos seja devolvido no futuro. Acho que Deus não se incomodaria se nós o chamássemos de Eterno Retorno: pois é só isso que pedimos dele, que as coisas da saudade retornem.

Ando pelas cavernas da minha memória. Há muitas coisas maravilhosas: cenários, lugares, alguns paradisíacos, outros estranhos e curiosos, viagens, eventos que marcaram o tempo da minha vida, encontros com pessoas notáveis. Mas essas memórias, a despeito do seu tamanho, não me fazem nada. Não sinto vontade de chorar. Não sinto vontade de voltar.

Aí eu consulto o meu bolso da saudade. Lá se encontram pedaços do meu corpo, alegrias. Observo atentamente, e nada encontro que tenha brilho no mundo da multiplicidade. São coisas pequenas, que nem foram notadas por outras pessoas: cenas, quadros: um filho menino empinando uma pipa na praia; noite de insônia e medo num quarto escuro, e do meio da escuridão a voz de um filho que diz: “Papai, eu gosto muito de você!“; filha brincando com uma cachorrinha que já morreu (chorei muito por causa dela, a Flora); menino andando à cavalo, antes do nascer do sol, em meio ao campo perfumado de capim gordura; um velho, fumando cachimbo, contemplando a chuva que cai sobre as plantas e dizendo: “Veja como estão agradecidas!“ Amigos. Memórias de poemas, de estórias, de músicas.

Diz Guimarães Rosa que “felicidade só em raros momentos de distração...“ Certo. Ela vem quando não se espera, em lugares que não se imagina. Dito por Jesus: “É como o vento: sopra onde quer, não sabes donde vem nem para onde vai...“ Sabedoria é a arte de provar e degustar a alegria, quando ela vem. Mas só dominam essa arte aqueles que têm a graça da simplicidade. Porque a alegria só mora nas coisas simples. (Concerto para corpo e alma, pg. 09.)

Saturday, 19 July 2008

Ásia


Mapeando o século asiático


Charles Grant*

O poder está se deslocando do Ocidente para a Ásia. Mas a Ásia é algo mais do que um termo geográfico? Supostamente o único século em que um número significativo de asiáticos compartilhou uma mesma identidade política foi no 13º, quando Gêngis Khan conquistou grande parte do continente. Há cerca de 100 anos, escritores como Kakuzo Okakura, no Japão, e Rabindranath Tagore, na Índia, e políticos como Sun Yat-Sen, na China, desenvolveram idéias pan-asiáticas. Eles achavam que os asiáticos tinham muito em comum, como vítimas do colonialismo, e como povos que, em comparação aos ocidentais, eram menos materialistas e mais espirituais. Mas estas idéias nunca se disseminaram significativamente.

Isto pode estar mudando, segundo Kishore Mahbubani, um ex-diplomata cingapuriano que agora dirige a Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas. Seu livro, "The New Asian Hemisphere: The Irresistible Shift of Global Power to the East" (o novo hemisfério asiático: a mudança irresistível do poder global para o Oriente), argumenta que uma verdadeira identidade continental está despontando com o sucesso econômico da Ásia, e que os asiáticos começarão a dominar o mundo da forma como os europeus fizeram nos últimos 500 anos. Bill Emmott, um ex-editor da revista "The Economist" e autor de "Rivals: How the Power Struggle Between China, India and Japan will Shape our Next Decade" (rivais: como a disputa de poder entre China, Índia e Japão moldará nossa próxima década), concorda a respeito da integração econômica da Ásia, mas não vê a integração se transferir para a política. Seu livro analisa as rivalidades e temores que separam China, Índia e Japão.

Mahbubani argumenta que muitos ocidentais ainda não despertaram para o poder da Ásia. "A relutância das mentes ocidentais em reconhecer a insustentabilidade da dominação global ocidental representa um grande risco para o mundo. As sociedades ocidentais terão de escolher se defenderão os valores ocidentais ou seus interesses no século 21." Ele gosta dos valores ocidentais, mas acha que os americanos e europeus os estão esquecendo enquanto buscam seus interesses egoístas.

Ele é impiedoso em relação às muitas hipocrisias do Ocidente e castiga os ocidentais pela sua forma incompetente de lidar com os desafios globais, como a mudança climática, terrorismo e proliferação. Mas grande parte de sua crítica é estridente - "não há pensamento estratégico no Ocidente" - ou baseada nos ocidentais da era colonial que se sentiam superiores aos asiáticos. Ele nunca menciona os muitos pensadores ocidentais pró-asiáticos - nem o ethos anti-Ocidente que predomina em algumas universidades européias e americanas.

A fraqueza fundamental do livro é que presume que a Ásia é uma entidade coerente. Mahbubani acredita que, como os europeus, os asiáticos baniram a guerra e adotaram uma cultura de paz. Nem sempre é o que parece na península coreana, no estreito de Taiwan ou na fronteira entre Índia e Paquistão, sem falar no Sri Lanka. Apesar de Mahbubani acertadamente criticar o Ocidente pela relutância em reformar as instituições internacionais para que os asiáticos sejam melhor representados, ele nunca critica os asiáticos por fracassarem em formar instituições multilaterais eficazes como as criadas pelos europeus.

O livro de Emmott é um bom antídoto para a fraqueza de Mahbubani. Emmott argumenta convincentemente que a rivalidade entre as potências asiáticas, em vez de entre o Ocidente e a Ásia, é o que guiará a geopolítica do século 21. Pela primeira vez na história, observa Emmott, a Ásia conta com três Estados poderosos e assertivos ao mesmo tempo: "um novo jogo de poder está em andamento, no qual todos devem buscar ser o mais amistoso que for possível com todos, por temor das conseqüências caso não forem, mas onde a amizade é apenas superficial".

Esta análise explica muito do que está acontecendo atualmente na Ásia. Assim a Índia apóia a junta de Mianmar para impedir a hegemonia chinesa no país; a China faz reivindicações territoriais mais assertivas sobre o Estado indiano de Arunachal Pradesh; e o Japão se torna amigo da Índia como um contrapeso para a China. Enquanto isso, China, Índia e Japão estão envolvidos em um grande jogo de caça aos recursos e influência na África e no Sudeste Asiático. Cada um deles tem um orçamento de defesa que cresce rapidamente e está envolvido em programas espaciais ambiciosos. O nacionalismo também é uma força cada vez mais forte na China e no Japão, talvez até na Índia.

Emmott é muito cauteloso em prever o futuro da China. Ele é mais confiante em relação ao Japão. Ele acredita que o Japão está superando muitos de seus problemas, graças a uma "revolução invisível" de reformas discretas inspiradas em grande parte pelo temor da China. Na Índia, Emmott descreve bem as imensas dificuldades que o país enfrenta ao tentar se modernizar, e ele não acha que sua econômica conseguirá alcançar a da China.

A análise geopolítica de Emmott seria mais forte se não tivesse ignorado a Rússia como potência asiática. Alguns indianos vêem sua amizade com a Rússia como sendo uma parte importante de sua estratégia para conter a China. E apesar de Moscou e Pequim atualmente desfrutarem de relações bem calorosas, muitos russos temem a invasão chinesa em seu território asiático esparsamente habitado, ao mesmo tempo em que muitos chineses desdenham os russos e sua economia (relativamente) pequena. Emmott também diz pouco sobre o papel dos Estados Unidos como uma potência asiática. Muitos asiáticos esperam que os americanos permaneçam ativamente envolvidos no Leste Asiático, reconhecendo que uma retirada americana apenas acentuaria as tensões regionais.

Mas em sua seção final de recomendações, Emmott inclui os americanos. Ele lhes diz para superarem sua hostilidade em relação aos clubes regionais dos quais foram excluídos, como a Cúpula do Leste Asiático. Ele faz uma comparação interessante com a Europa: os Estados Unidos nunca ingressaram na União Européia, mas mesmo assim lhe deram muito apoio.

O conselho de Emmott para outras potências é igualmente sensível. A Índia deve fazer as pazes com seus vizinhos e aumentar os laços econômicos com eles. O Japão deve estabelecer uma comissão para considerar uma indenização para o trabalho escravo e prostituição forçada da época da guerra, enquanto o estado deve expulsar os nacionalistas extremos do templo Yasakuni. A China deve se tornar muito mais transparente sobre suas forças armadas.

Dos dois, o livro de Mahbubani é mais provocativo, mas seu ataque ao Ocidente é minado pela hipérbole. O livro de Emmott é escrito de forma mais clara e mostra que as idéias de Okakura, Tagore e Sun Yat-Sen estão longe de serem cumpridas.

*Charles Grant é diretor do Centro para a Reforma Européia

Tradução: George El Khouri Andolfato

Thursday, 17 July 2008

Artista


Ni Hao! Familia reunida na China - Shanghai, 12/07/2008

Viver de arte
Não é para qualquer um
Requer do virtuose virtude de sobra
Para não deixar a cadência esvair

Quisera o artista somente dela viver
Para ela sempre entregue e dedicado
Sem qualquer outra preocupação
Senão a de entrar no palco
Fazer o público sorrir e chorar
E deste júbilo sorver

Todavia há o mundo que o rodeia
Deserto seco e inóspito
Que o artista joga suas sementes todos os dias
Regando o terreno incessantemente
Na esperança de um pequeno ramo um dia vingar

Não há outra forma senão esperar
Enfiar a viola dentro do saco
E com muita paciência e diligência
Continuar a tocar a boiada e caminhar

Que seja sem desmedida pretensão
A de salvar nenhum rebento pelo caminho
Mas a si próprio preservar
Em primeiro lugar
Pois assim a fonte sublime da arte se preserva
E dela
Sem esgotar
Mais júbilo brotará


Guilherme Ferreira

Sunday, 6 July 2008

Piano



À minha professora de piano

Inspirar e expirar cada frase

Não há outra forma de sorver a música

E o piano tocar


Muita paciência

Sem exagerar no fortíssimo

Sem ambicionar mais que o virtuose

Tentar acelerar e nas teclas tropeçar


Só tocar o Tico-Tico, sem parar

Exagerar e apanhar do cavaquinho

Uma obsessão pelo tango inexplicável

La Cumparsita, Mi Buenos Aires querido

Mais fortemente a paixão por Adiós Nonino

E ao errar, melhor parar e perguntar


O improviso é de se admirar

Todavia não há música sem o suor

Sem técnica e alma

E o constante praticar


Obrigado professora pelo piano

Por tudo o que ele hoje me oferece

Hoje não sou pianista

Ao menos profissionalmente

Não é tocando que faço o meu ano

Todavia o piano e a música

Fazem de mim um homem diferente


Pois além de tocar um pouquinho

Aprendi a escutar

A você

A mim mesmo

Ao silêncio do outro

A voz do meu próprio coração

Às melodias soltas pelo ar

Mas, principalmente, escutar a minha própria vocação


Fazer da vida uma arte

Sem necessariamente viver dela

Senti-la escrita em mim como em um antigo pergaminho

E escrevê-la a cada momento

Levantando-a

Onde quer que eu vá

Como um porta-estandarte


Guilherme Ferreira

Saturday, 5 July 2008

Pára-quedas



Não é mentira, causo de pescador
Ou estorinha da fagatafagarata
Filho de seu Orlando, ele mesmo
Neto do Alcides, irmão de Alcibíades, amigo do Benedito
Também conhecido como Zaguireme
Não pulou de pára-quedas
Chegou perto disto - o que já vale para um homem medroso
Voou um pouco empurrado pelo vento e por um barco
Acompanhado por Céu e mar
E mais uma vez para não deixar se enganar
A foto é para o seu Simão acreditar
Gagaga!

Diz a lenda que homem barbudo, inteligente e culto
Que vem de General Salgado, mas pela Grande São Paulo acostumado
Uma vez foi enganado por um matuto de olhos azuis, diretamente de Nanuque
Dizia o matuto, nacionalmente conhecido por sua coragem e a careca de saber
Que havia pulado de pára-quedas
Dois mil metros de altura
Céu de brigadeiro
Vento a reboque
Causo minunciosamente contado
Para surpresa do barbudo
Que estupefato se questionou:
Como um homem que tem medo de dirigir pode dar conta de um salto tão alto?

Muito tempo depois
O barbudo, já sem barba
Lembrou-se do compadre
Que o vento temporariamente levou para passear
Em nostalgia, o barbudo dividiu as memórias com a esposa do matuto
Que acamada atenciosamente escutava
O causo até então tomado por verídico
Naquele momento veio a se desmascarar
O matuto nem no sonho de pára-quedas pulou!
Pregou uma grande peça no barbudo
Que até aquele dia sem dúvida acreditou

Agora o filho do matuto
Tem nova estória para contar
Andou de pára-quedas, mas não pulou
Mas no céu, chegou bem próximo do matuto
Que em seu ouvido soprou:
Filho, medo só de pára-quedas ou montanha russa
A vida é para ser encarada com a coragem da criança
Que em seu primeiro passo não tem medo de cair no chão
De vez enquanto há de se correr em zig-zag
Para fugir de tiros mirados em nosso coração
Mas não perca a reta
Carreira traçada certa
Que a vida neste momento
Em saltos novos em terras novas
Não por acaso te reserva

Tuesday, 1 July 2008

Mar


Eu e o mar
Sol a pino
Na cabeça um fedora
Para as idéias refrescar

A paisagem da vida se encontra no horizonte
Com mar aberto à frente e mais nada
A postos se encontra uma caixa de pandora à deriva para se abrir
Mistérios transbordando para se decifrar

Este para mim é o mar
Enigma para se desvendar
Metáfora da vida
Infinito para o olhar
Profundo para o meu fôlego
Imprevisível
Que não adianta tentar advinhar

Todavia multicolorido
Não somente para contemplação
Mas também aberto, como tela nova
Para novas cores se pintar

O meu mar ainda está bem aberto
Que continue assim quiçá
Pois aberto haverá sempre o horizonte à vista
Rotas infinitas para se traçar

Deixo então a brisa da maré bater
Em todas direções
Assim bem longe
A minha pequena embarcação
Irá navegar

Guilherme Ferreira

Sunday, 22 June 2008

Saudade



Sentimento que não tem tradução

Não que eu conheça além do português

Ou além de alguém

Que para sentir não tem coração

Pois sentimento é para se sentir

Por mais que se busque a palavra

Só sentindo-o intensamente

Consegue-se traduzir

Lágrima que rola na face

Nostalgia escorrendo como um rio, faz chorar

Sorriso que ilumina o rosto

Alegria ensolarada que me faz corar

Saudade sente-se de longe

Quando espaço geográfico separa dois ou mais corações

Ou espaço emuralhado, onde corações ocupam o mesmo espaço

Mas não cedem às sanções do perdão

Por isso saudade não se sente só no Brasil

Em Portugal, Moçambique, Goa ou Timor Leste

Sentimentos percorrem de norte a sul, de leste a oeste

Ininterruptamente e indistintamente, milhas a fio

Bastando ser humano

Para sentir a saudade pulsar a milhão

Então minha amiga

Cujo nome começa com céu

E termina rimando com mar

Não olhe para chão quando a saudade bater

Bata os pés no chão

Jogue os braços pelo ar

Dance preenchendo todo o salão

Assim verá em seu rosto um novo sorriso brotar

Memórias das boas surgirão para lhe fortalecer

Ventando fortemente respirarás um novo ar

Um novo céu para olhar

Um novo mar para nadar e velejar

Um novo céu e mar

Uma nova pessoa pedindo para nascer

Guilherme Ferreira

Epifania

(Trecho do filme "AMADEUS")

Momento singular
Quisera eterno
Não somente por um dia
Ou minuto
Que não faz diminuto o sentimento
Do que é epifania

Por enquanto vou contando nos dedos
As exceções que deveriam ser regra
Pois vida sem epifania
É vivida na incompletude
Desnecessária agonia
Que nos distancia da virtude
Quietude de um dia
Raro e por enquanto amiúde

Há saída todavia
Epifania não se manifesta em alma miúda
A alma há de ser generosa
Entregar-se de braços abertos
Como a rosa que se abre ao orvalho
Corajosa e despretensiosa

A entrada diferentemente
Não é pelas janelas miúdas da razão
Pois a mente é trancada a sete chaves
Por chaves que só o coração pode abrir

Chaves forjadas pelo sentimento
Que abrem qualquer porta
Porteira, portal ou portão
Trancafiados a cadeado
Por excessivos pensamentos 
A postos como sentinelas de plantão

O segredo já foi revelado por muitos chaveiros
Por meio de palavras faladas, escritas, pintadas ou cantadas
Molde que porta todo divino enviado
Conhecedor da divina linguagem
Que nem o melhor e mais inteligente enxadrista tem
Só o homem que busca a epifania
Homem com alma 
Alma generosa
Alma de artista

Guilherme Ferreira

Sunday, 15 June 2008

Muralha


Grandiosa, colossal
Beleza que os olhos dissolve
Perde-se de vista no horizonte
Pretensiosa para dividir o bem e o mal
Fortaleza que conflitos não resolve

Eterna para maravilhar
Que a chuva incessante não me barrou
Visão lacrimosa, fez lento o meu palmilhar
O céu, sim, parece que se rebaixou
Nuvens descendo em marcha
Em caravana para a este monumento se curvar

A guia a me guiar me disse:
Não adianta, único lugar que não tem começo
Não tem ponto-de-partida nem de chegada
Com incessante caminhar
Não chegaremos a lugar algum
Sim, a um ponto no meio do caminho
- Gui, você escolhe onde é o seu fim

Então caminhei
A chuva caiu, para testar a ambição
De tabela, também, veio misericordiamente
com gotas gordas a me refrescar
Empolgado e ensopado, galguei cada degrau
- Thi, tá faltando tênis com shushi na meia-noite, não?
Pensei...
O fôlego, então, aos poucos desfaleceu
O ânimo paulatinamente se esvaiu
Cansei, encontrei o meu fim
Humildemente, parei sem me boicotar
Até o momento
Pois a vida não acaba assim, nem ali

Cume, parada final
Dali, não pude ultrapassar
Uau, ufa, surreal
Paisagem intocada
Mas cheira a tinta fresca
Tela que parece que pintada por Dalí

Parei meu palmilhar
Os pés trêmulos de tanta fatiga
Restou-me a minha própria respiração escutar
Sentar, contemplar o cenário de cima da muralha
E, em meditação, me elevar

Naquele momento
Unicamente, a muralha se encontrava acima das nuvens
O meu encontro com o divino,
ela, de caso pensado, pretendia facilitar
E uma mensagem, sutilmente
Aos pés de meus ouvidos soprar:

Não há muralha maior que esta
Senão aquela que há dentro de você
Que lhe deixa inseguro
Ansioso ou em cima do muro

Muralha que separa o homem velho do homem novo
Que guerreiam em seus lados opostos, murro após murro
Muralha que criamos para nós mesmos
com desnecessária imaginação
Mas muralha quebrantável
Por um único desejo
Inalienável e verdadeiro
Bem intencionada
Forte, extensa e grandiosa
Ação

Guilherme Ferreira

Sunday, 8 June 2008

Beatriz



Onde está Beatriz?
Sei que estás por perto
A um passo, sem que ocupe o mesmo espaço
Ao alcance, como por um triz

Sentidos à flôr da pele, de lis
Um olhar sem precisar falar
Em tua presença, coração bate em aperto
Escutar sem parar, perder a noção do tempo
Deixar na alma os sons de sua voz penetrar

Minha mente já voa sem pés no chão
Seu cheiro transcende olfato e paladar
A lógica perdeu a razão
Já!

Beatriz
Imaginar a sua proximidade,
Mesmo que longe
Já me faz feliz

Poucos passos
Parecem milhas adiante
Um andar ou quatro
Não importa a distância
Se a minha mente a ti pode me transportar

Espero em esperança
O momento certo para me aproximar
E dizer que encontrei Beatriz
Sempre ali ao lado,
Sem perceber, como que por um triz
Direi, então:
Para ser mais que já sou, sem ti
Agora contigo
Serei mais feliz

Friday, 30 May 2008

Vento



Onipresença

Qualidade do vento

Que sem fixo aposento

Move em todas as direções

Ocupando todo o espaço

Sem pressa

Lento

 

Joãozinho o que é vento?

"O ar em movimento!"

Portanto

Para o vento

Agora é o momento

Se pára, não é mais o mesmo

Morre

Pois ar parado

É vento confinado

Sem vida 

Evento sem atração

 

Se por ventura perguntares ao vento:

Que tempo é agora?

Ele sem hesitação, responderá:

"Tempo de voar"

Movimentar-se

Navegar sem parar e

Incessantemente, soprar!

 

O vento simplesmente é

Agora é o seu nascimento

Espontaneamente, nasce a todo o momento presente

Não tem passado

E também o futuro pouco importa

Afinal nasce e sempre sopra no aqui e no agora

O presente é o presente divino para o vento

É o seu instantâneo sopro de vida

Constante renascimento

 

Por isso não lamento

Se o passado pesa no dorso

Ou se, para o futuro, não tenho previsão

O vento é o meu alento

Grandiosa lição da natureza

Ensina-me a leveza da brisa do agora

Sem excessiva preocupação

Como aquelas tempestades rajadas na cabeça

Que me impedem de ser vento nesta hora

 

Vento fresco

Quando calor

Sopro que nos refrigera a alma

Quando frio

Sopro que faz correr o rio

Até a sua nascente

Ou ao mar, seu destino final

 

O vento é Deus na mitologia

Eu dou toda a razão!

Onisciente, pois sabe tudo

Onipresente, pois está em todo lugar

Onipotente, pois se movimenta

Nem menos o maior obstáculo o pode parar

 

Quero então aprender mais com o vento

 

Alento, atento sempre presente alimento

Acalento sem acanhamento

Autêntico sem nada idêntico

Acento na palavra escrita errada

Advento sem adiamento

 

Argumento bento

Livramento em dia cinzento

Ensolarado coroamento

De idéias em experimento

 

Vento, vento

Usa-me como cata-vento

E me sopre

Para além de qualquer idéia de um passado lamuriento

Ou futuro milagrento

Empurre-me

Para voar para além do pára-peito

E como a Ti

Hoje, agora

Voar sem parar


Guilherme Ferreira